1 de março de 2013

Um outro olhar.

É claro que o preconceito existe, e eu diria que às vezes é maior por parte de nós mesmos que dos outros. Preconceito é criarmos uma opinião sobre um tema sem nem conhecê-lo como de fato ele é. Quando digo que em alguns casos somos nós mesmos os vilões de nossas vidas é porque as vezes não conhecemos a realidade de nossos próprios problemas e já os julgamos como insolúveis, impossíveis e simplesmente não procuramos nenhuma solução. Por que comecei dizendo essas coisas? Bem, vou lhe contar minha história e você entenderá.
Já dizia aquele velho ditado: “A grama do vizinho sempre parece mais verde”, e realmente a vida dos outros sempre pareceu melhor que a minha. Sofri um acidente de carro quando tinha 15 anos e devido a uma lesão medular fiquei paraplégico. Você pode imaginar que não foi nada fácil enfrentar minha adolescência preso em uma cadeira de rodas. Não namorava ninguém e nem saia de casa a não para escola (coisa que meus pais me obrigavam a fazer). Passei cinco anos me sentindo um peso para minha família, achando que seria melhor ter morrido a ficar deficiente.
Não vou te contar o que passei após o acidente, como eram terríveis as sessões de fisioterapia ou como foi achar que poderia voltar a andar e no fim descobrir que isso não passava de uma fantasia na minha cabeça. Não, não vou te contar de como fiz meus pais e amigos sofrerem porque só conseguia sentir pena de mim mesmo e como fui egoísta por achar que todos deviam fazer o mesmo. O ser humano tem a mania de se menosprezar em relação a quem quer que pareça viver melhor, e enquanto eu não parei de me sentir inferior ao resto do mundo não consegui seguir a diante. Sim, eu vou te contar como superei essa auto piedade e comecei e enxergar o quanto estava perdendo da vida enquanto permanecia preso com meu preconceito.
Quando tinha vinte anos assisti a uma reportagem que falava sobre o trabalho de umas artesãs no Nordeste. Achei aquelas mulheres fantásticas, muitas delas sustentavam a família inteira só com o dinheiro vindo do artesanato, e apesar das dificuldades financeiras que enfrentavam durante todo o documentário falaram apenas das coisas que já tinham conquistado graças ao artesanato, e não do que ainda faltava. Não sei por que aquela reportagem mexeu de uma forma diferente comigo, e passei a me questionar por que eu reclamava tanto dos meus problemas e não percebia o que de bom ainda me restava.
Decidi que mais histórias como a daquelas mulheres e tantas outras de exemplos de determinação deveriam ser mostradas às pessoas. Resolvi fazer faculdade de jornalismo e me dedicar a encontrar histórias que valessem a pena serem contadas. Comecei a produzir vários documentários até que um dia um colega de classe me perguntou por que não produzia minha própria história. Eu tinha passado a aceitar melhor minha condição física, porém ainda existiam muitas barreiras que faziam com que eu não me achasse digno de compartilhar meus sentimentos com o mundo. Por fim acabei sendo convencido a gravar o documentário e surpreendentemente eu tinha muito mais a dizer do que pensava.
Foram sete meses de produção contando o que eu tinha passado ao longo daqueles anos após o acidente e o que a paraplegia tinha feito comigo. Percebi que eu não devia me achar um coitado por estar naquela cadeira de rodas, um injustiçado que foi fadado a passar o resto da vida dependendo de um objeto pra se locomover. Eu tinha sido abençoado com a chance de reconstruir minha vida. Provavelmente eu não seria a mesma pessoa se não tivesse enfrentado todos aqueles obstáculos. Comecei a me enxergar como aquelas pessoas que entrevistei antes, como alguém que assim como todo mundo tem uma dificuldade e tenta superá-la.
A deficiência não deixou de me incomodar, e nem sei se isso acontecerá um dia. Mas o que antes eu via como um impedimento para viver hoje me faz questionar “Como posso trazer isso à minha vida?”. Eu entendi que por mais verde que seja a grama do meu vizinho ele nunca estará totalmente satisfeito com seu jardim. Achamos defeitos e reclamamos de tudo, contudo se aceitarmos que nada na vida é realmente perfeito quem sabe podemos parar de nos enganarmos e nos escondermos por trás de tantas máscaras. Afinal, todos nós temos boas histórias que merecem ser contadas.
Meu nome é Otávio, tenho 25 anos, sou jornalista e paraplégico. Minha deficiência é a última na minha apresentação, porque ela é a última que me impede de fazer qualquer coisa que eu queira. 


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