Eu, Luiz, no auge dos meus 29 anos nunca tive
uma grande mudança na minha vida. Moro no mesmo apartamento há oito anos e
sequer mudei os móveis de lugar. Completo 30 anos daqui a duas semanas e
percebi que não fiz nada de importante até hoje. Sempre me considerei um cara tranquilo.
Quer dizer, não fumo, bebo só em ocasiões especiais e nunca matei ou impedi
alguém de fazer qualquer coisa. Sou praticamente invisível.
Não tenho um emprego decente, nem uma namorada
e ainda por cima meu sofá é horrível. Um homem precisa de um sofá confortável
para passar suas tardes entediantes de domingo assistindo aos jogos de futebol
na TV. Mas apesar de não conseguir um novo emprego ou a mulher dos meus sonhos,
ainda posso comprar um novo sofá. E foi isso que decidi fazer quando
acordei naquele sábado. A semana tinha sido horrível, queria que meu chefe e
todos daquela empresa morressem. Além disso, no dia seguinte o São Paulo
jogaria e eu me recusava a assistir outros jogos naquele sofá horrendo. Não
aguentaria mais uma derrota do time e nem aquele troço que ocupava espaço na
minha sala.
Sai de casa e entrei na primeira loja de móveis
que vi decido a escolher o novo sofá o mais rápido possível. O vendedor me
mostrou um sofá vermelho com três lugares e estofado de couro. O que me chamou
a atenção naquele sofá não foi só a maravilhosa sensação que tive quando sentei
nele, mas sua cor. Sabe, como bom São Paulino que sou, o vermelho está entre
uma das minhas cores preferidas, se é que posso dizer isso. Mas aquele vermelho
cor de sangue me impressionou e em menos de meia hora já tinha comprado aquele
móvel confortabilíssimo.
Quando o tão esperado sofá chegou o entregador
começou a me fazer algumas perguntas estranhas querendo saber o porquê de ter
comprado aquele modelo.
- O senhor sabe que esse é um modelo limitado,
não sabe? – perguntou o entregador
- Bem, não sabia até agora.
- Só foram feitos dois modelos desse sofá na
cor vermelha. Infelizmente o outro cliente faleceu duas semanas depois da compra.
- Nossa! Daqui duas semanas completo 30 anos e
espero não receber a morte como um presente de aniversário.
- Sabe, o senhor me parece um bom homem. Talvez
seja melhor eu lhe contar uma breve história e então quem sabe o senhor não
desiste de ter o sofá.
- Pouco provável. Mas pode falar.
Foi ai que o misterioso entregador me contou
que ele na verdade não era entregador coisa nenhuma. O cara foi casado durante
dez anos e um dia encontrou sua mulher o traindo no sofá de casa com um colega
de trabalho. Decidido a acabar com a vergonha que sentia, ele matou a mulher e
o amante e decidiu fazer dois sofás em homenagem ao casal. Um com três lugares
(o meu) e outro com dois. A explicação para o vermelho cor de sangue, bem era
sague mesmo. Ele pegou o sangue da mulher e do amante e “tingiu” o tecido do
estofado. De acordo com ele, o sofá que comprei era tingido com o sangue da
mulher que sempre preferiu o com mais lugares.
Explicado o assassinato, ele contou que decidiu
matar quem comprasse os sofás porque ninguém merecia estar na presença da
ex-mulher ou do amante. Que o comprador da outra metade do sofá lutara um pouco
por sua vida, mas que no fim acabou morrendo e o sofá foi queimado.
- Eu espero que o senhor entenda minha
necessidade de acabar com isso, Sr. Luiz.
- Na verdade não entendo, mas também não o
julgo – A esse ponto já estava tremendo e pensando em chamar a polícia.
- Agora que o senhor conhece a história do sofá
não posso deixar que viva. Não ao lado de Magda. – Magda devia ser a esposa. –
O senhor já amou, sabe o que quero dizer.
Quando ele me disse isso senti muita pena de
mim mesmo. Tudo bem que o cara é um assassino, mas ele realmente amava sua
mulher. A amou a tal ponto de não conseguir se imaginar sem ela. Por um momento
senti que a minha vida até então inútil poderia servir para alguma coisa. Eu
podia libertar aquele homem de sua dor e deixá-lo viver apenas com as boas
lembranças dos momentos entre ele e Magda.
- Não converso com minha família e nunca amei
de verdade – respondi friamente.
- Então o senhor não tem nada a perder. Por
favor, deixe-me matá-lo e lhe garanto que Magda será livre finalmente.
São Paulo perdeu. Odeio meu chefe.
- Aposto que ninguém que eu conheço morreu por
um sofá. Não antes dos trinta pelo menos.
- Estou ficando impaciente Sr. Luiz.
- Ok. Liberte Magda e queime este sofá.
Assim, eu, Luiz de 29 anos passei de um cara
sem graça a alguém que libertou um homem de um amor. Quem diria que um sofá
mudaria tanta coisa.
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